Imagem: Reprodução
Ostinato, do italiano obstinado, é um motivo ou frase musical que aparece repetidamente ou persiste por toda a música na mesma altura, como aquele zumbido chato no ouvido depois de um som muito alto. Em uma composição, o ostinato pode servir a muitos propósitos, mas o que fazer quando o som nunca para? “Ostinato”, disponível na Netflix, responde à pergunta ao transformar uma nota fora do tom em algo belo para se conviver em harmonia.
O curta animado conta a história de uma compositora que aprecia os sons do dia a dia e se inspira para suas composições. De repente, ela passa a ouvir um zumbido sem origem clara e se desestabiliza, ao ponto de entrar em pânico por não saber como lidar com o barulho que fica mais alto conforme ela tenta enfrentá-lo.
Produzido pelo estúdio Women in Animation (WIA) Vancouver, o projeto é resultado do ACE Program, uma iniciativa canadense sem fins lucrativos com objetivo de impulsionar a carreira de mulheres no mercado da animação. A ideia é selecionar profissionais de diversos setores para formar uma equipe capaz de criar um curta ou piloto de uma websérie. O programa também fornece orientação às profissionais durante esse percurso, para garantir a capacitação do time e o sucesso do projeto. O resultado é pura beleza em cores e formas.
A animação adota uma mescla de animação 2D tradicional com recorte digital, mas ainda valoriza bem os movimentos e mantém a animação dinâmica. Os cenários e a protagonista são representados de maneira geométrica, inspirados no estilo da Harlem Renaissance, ligado ao Jazz e ao Soul. No curta, esse estilo ajuda na percepção de que esse mundo é algo mais ordenado e menos caótico. Ao adicionar cores vibrantes à equação, o resultado é um visual chamativo e expressivo, uma qualidade bem-vinda em uma animação sem diálogos. Até mesmo o zumbido surge cheio de energia e felicidade, como um cachorro ou uma criança agitada. A potência dos movimentos é o que ajuda a caracterizar essa “personagem” dentro da história.

Ao pensar na história, a roteirista Sunita Balsara se inspirou na relação de sua família com o acufeno – sensação de ouvir som na ausência de qualquer fonte externa, geralmente descrito como um zumbido ou tinido. Ao retratar uma musicista com essa condição, Sunita adiciona um nível a mais de estresse à situação e torna mais compreensível para o telespectador a angústia da protagonista e seu medo de não conseguir mais apreciar a música, além de provavelmente ter ajudado a retratar com sensibilidade alguém que tenha essa condição.
Mesmo sem saber da inspiração de Balsara, todas as envolvidas no projeto conseguiram entrar em sinergia e transmitir um mesmo sentimento de aceitação. Problemas, adversidades ou sofrimento são naturais e conceitos inescapáveis para qualquer ser vivo, por isso estamos a todo momento em conflito tentando resolvê-los. Contudo, a ideia de que tem coisas que simplesmente não podem ser resolvidas assusta. Nessas horas é importante refletir se de fato existe algo para ser resolvido.

“Ostinato” é um ótimo curta-metragem sobre lidar com os problemas que nos afligem e mostra o impacto deles na forma como encaramos nossa situação. Quando estiver no fim do dia, folheando o catálogo da Netflix sem nada para assistir, considere dar uma chance a esse título feito com muita paixão.



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