Iniciativa promove circulação cultural que fortalece a expressão artística, pensamento crítico e a valorização das narrativas negras amazônicas
Por Rafael Arcanjo | Foto: Neilton Moraes
O Projeto “Barrigada: Negritude em Cena, Quilombo em Diálogo”, idealizado pelo artista de teatro Ysmaille Ferreira, levará oficinas, rodas de conversa e apresentações teatrais à Comunidade Quilombola de Menino Jesus de Pitimandeua, município de Inhangapí (PA), neste sábado, 13. Esta será a estreia da iniciativa, que passará também pelas comunidades de Pitimandeua, Canta Galo, Pirucaua e na capital, Belém. O projeto foi premiado pela Lei Aldir Blanc – PNAB 005/2025, no edital de fomento à circulação de projetos culturais, e conta com patrocínio da Casa de Estudos Germânicos da Universidade Federal do Pará.
Na programação, o evento realizará a encenação de duas peças: “Barrigada” e “Maiô Imaculado”. A primeira é inspirada no trabalho de conclusão de curso em Pedagogia de Rosilene Lopes, liderança quilombola da Comunidade de Pirucaua, em São Miguel do Guamá – PA. Em sua pesquisa, Lopes reuniu diferentes histórias orais de diversas mulheres de sua comunidade, como rezadeiras, agricultoras, universitárias e artesãs, e essas histórias foram o ponto de partida para uma dramaturgia com fé, conflito, resistência e ancestralidade.
O nome “barrigada” veio de uma das rodas de conversa que Rosilene registrou. Nesta, Dona Benedita, uma das lideranças quilombolas, compartilhou suas memórias, e em uma delas, disse “teve uma barrigada aí”, referindo-se ao nascimento de pessoas da comunidade. Este termo carrega diferentes significados e dialoga tanto com a ideia de gravidez, quanto com a resistência e saberes tradicionais, como a prática de “puxar a barriga” para ajudar mulheres no parto.
“Barrigada” é dirigida por Ysmaille Ferreira e Mar Oliveira, com condução feita pelas atrizes Aline Lopes e Gisele Lopes, jovens da própria comunidade. A trama se desenrola na festividade de Nossa Senhora de Fátima no Quilombo Pirucaua, quando duas apresentadoras conduzem a plateia por um enredo que entrelaça sorteios, leilões e memórias vivas das mulheres da comunidade, incluindo as “puxadeiras de barriga”. A “Barrigada” simboliza o surgimento de novas histórias, de novos olhares e experiências que o projeto busca proporcionar, especialmente para aqueles que terão contato pela primeira vez com o teatro em um formato mais profissional.

Ysmaille conta que o processo para a criação de “Barrigada” começou ainda em 2024, quando recebeu um pedido de Rosilene Lopes. “Desde 2021, estabelecemos relações de amizade e desenvolvemos alguns trabalhos artísticos em conjunto (com a comunidade de Pirucaua). Em 2024, no início do ano, a Rosy me perguntou sobre a possibilidade de realizarmos uma apresentação durante a festividade de Nossa Senhora de Fátima. Perguntei sobre as pessoas interessadas e também sobre o artigo dela, de conclusão do curso de Pedagogia, que aborda as experiências das mulheres do quilombo de Pirucaua. Reunimos o grupo, organizamos as rotinas e, a partir disso, criamos uma cena para a festividade e, em seguida, novas cenas”, explica o artista.
Já o outro espetáculo, “Maiô Imaculado”, é um trabalho solo de Ysmaille com direção colaborativa de Paulo Marat, inspirado na história de Oscarina Ferreira Lopes, avó de Ysmaille e mulher negra amazônida que enfrentou o racismo, a pobreza e a invisibilidade. Este espetáculo compartilha memórias da escravidão doméstica e rural no Pará, abordando também a ancestralidade a partir do cotidiano.
Oscarina se alfabetizou na velhice e cultivou o hábito de contar causos para familiares e amigos, histórias que resistem ao esquecimento e fortalecem a memória coletiva negra. Esta obra narra uma trajetória marcada pela religiosidade, pelo afeto e pela luta pela sobrevivência no interior da Amazônia. O enredo se constrói em torno de um objeto simbólico: um maiô, que representa a delicadeza e a força de uma vida marcada pela resistência.
Além das apresentações artísticas, o projeto “Barrigada” levará rodas de conversa e oficinas de redação aos jovens das comunidades, com o objetivo de promover diálogos sobre identidade, território e racismo estrutural. A iniciativa contará, ainda, com um curso de redação exclusivo para a juventude quilombola, voltado ao Processo Seletivo Especial (PSE) para quilombolas. Esta atividade já está com inscrições abertas, e os interessados podem realizá-la via formulário digital.
“Embora arte e educação caminhem juntas, no início o teatro era o carro-chefe do projeto. A cena já trazia um caráter pedagógico, por contar a história dos negros e dos quilombos a partir de outra perspectiva. Isso, além de ter uma dimensão estética que também é política e pedagógica. Apesar dos avanços das políticas afirmativas, ainda há muitos desafios. Muitas vezes, quando pessoas quilombolas ingressam na universidade pelo PSE-Quilombola, acabam não entrando no curso que realmente desejam, em grande parte pela pontuação baixa na redação. Esse fator leva algumas a desistirem do curso superior”, destaca Ysmaille Ferreira sobre a decisão de construir um projeto artístico e educativo.
Para o artista, incluir as oficinas de redação veio do diálogo com as lideranças comunitárias, com o objetivo de melhorar as habilidades dos jovens das comunidades, a fim de aumentar a pontuação deles e ampliar a possibilidade de escolha de curso. “Unir esse objetivo educacional ao teatro revela justamente o poder da arte — a capacidade de nos fazer compreender o nosso entorno e, ao mesmo tempo, criar caminhos de transformação.” aponta Ysmaille Ferreira.
O curso ocorre nos dias 28 de setembro e 05 de outubro, das 8h às 17h, na Comunidade de Santa Maria de Muirateua, e serão ministradas pela professora Janete Barreto, que há mais de 28 anos atua como educadora de Língua Portuguesa e contadora de histórias, com trabalhos voltados à valorização das culturas indígenas, africanas e afro-brasileiras. Estas oficinas surgem como uma das principais contrapartidas do projeto, mas também cumprem papel fundamental: promover a reflexão sobre temas ligados à história e às vivências das comunidades quilombolas.
“Sinto aquela mistura de ansiedade e empolgação, porque colocar energia nesse projeto é muito gratificante. Mas ninguém faz nada sozinho, e ele só está acontecendo porque as lideranças da comunidade estão apoiando e animadas. Em Pitimandeua, a expectativa é enorme, mas também estou muito feliz, porque a associação quilombola já tem vários projetos, alguns voltados para as crianças, e existe um desejo coletivo de participação nas atividades culturais. Isso reacendeu a veia cênica da comunidade, e a partir disso vamos retomar uma peça que ainda não tinha sido apresentada. Fazer teatro já é um privilégio. Mas apresentar para comunidades quilombolas é, para mim, o verdadeiro sentido da arte: despertar sonhos, desejos, fortalecer o empoderamento da cena negra e dar voz à história, cultura e identidades quilombolas”, finaliza Ysmaille.
Serviço:
Projeto Barrigada: Negritude em Cena, Quilombo em Diálogo
Espetáculos Teatrais: Barrigada e Maiô Imaculado
Local: Quilombo Menino Jesus de Pitimandeua, município de Inhangapí (PA).
Data: Sábado 13 de setembro de 2025, às 19h.
Ação com intérprete de Libras.
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