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Em outubro do ano passado, após alguns anos de expectativa, assistir ao anime Mononoke (2007), animação emblemática da Toei Animation e estreia de Nakamura Kenji como diretor de série. Apesar de pouco conhecida, a obra é comumente exaltada por suas ótimas qualidades em diferentes áreas: roteiro, direção, fotografia e animação. Essa combinação harmônica propicia momentos capazes de impactar o telespectador e fazê-lo refletir sobre as diferentes tramas apresentadas a cada arco. Dezoito anos após o fim da animação para TV, Nakamura, agora na Netflix, decidiu mais uma vez acompanhar as perambulações do Boticário Viajante e seus encontros com criaturas sobrenaturais, agora em um longa-metragem.
Em Mononoke: Karakasa, ou O Fantasma da Chuva como ficou conhecido no Ocidente, duas belas garotas chamadas Asa e Kame viajam até o grande harém de Ōoku em busca de uma vida melhor. Porém, encontram dificuldades por conta das tradições e hierarquias rígidas presentes no local. O contexto, portanto, se torna propício para intrigas políticas e jogos de poder, que atraem o sobrenatural. É nesse ponto que nosso Boticário se faz presente para apartar esses dois mundos e resolver o problema.
A partir dessa premissa, a história trabalha com poucos personagens no decorrer do filme, apesar de alguns ficarem sobrando. Logo nos primeiros 30 minutos, o longa deixa claro o quanto o harém é incomumente hostil. Não só pelo uso de abstrações visuais incômodas – como o rosto de todas as mulheres que trabalham lá ser coberto de preto com espirais no centro –, mas também por todo o ambiente ser quase um culto que as mulheres entregam corpo e alma ao harém.

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Nakamura provou em outros trabalhos sua habilidade em brincar com o surreal e o bizarro, tanto no roteiro quanto no visual. Em comparação, o filme lembra os momentos mais sóbrios da série de TV. O maior destaque deve ir para a reta final, com locais e momentos mais interessantes para brincar com os visuais e o ritmo das cenas, além claro dos lindos cenários que devem estar em sua melhor forma aqui.
Muitas personagens apresentadas não foram tão relevantes, mas as que recebem foco são bem utilizadas. Porém, o Boticário, o coração da franquia, parece fora de tom nesse filme. Sua força dentro desse universo reside na postura ambígua e na indiferença ao sofrimento alheio, o que deixa tudo misterioso e imprevisível. No entanto, em Karakasa, ele parece agir muito mais como um detetive bonzinho que explica a situação ao telespectador e tenta salvar as pessoas ali.
Outro elemento estranho é o ligeiro apelo à ação durante o longa. A animação para TV se sai muito bem apenas com diálogos e uso criativo de cenários e câmera, enquanto Mononoke: Karakasa parece usar mais lutas para engajar a audiência. Não que seja recheado de lutas, contudo o contraste evidencia essa característica. Parece uma decisão tomada para que a história fosse mais aceita pelo gosto geral do público. Mesmo com críticas, sem dúvidas a produção é competente em contar uma boa história.

É uma hora e meia muito bem dividida para não deixar quem assiste saturado ou entediado, com um bom balanço na hora de saber quando exigir atenção do público em momentos significativos. Ou seja, mesmo com partes um pouco mais densas, não é uma experiência exaustiva. O drama pessoal das duas garotas dentro do harém é interessante de se assistir pela diferença de postura das duas e pelo relacionamento que elas constroem dentro do filme, o que gera momentos muito bonitos e traz urgência para o conflito central.
O forte da série original sempre foi os dramas psicológicos, que graças ao aspecto surreal podem sair da cabeça dos personagens e se manifestar em criaturas, lugares e contextos bizarros. O diretor tem esse conhecimento e por isso o filme, mesmo com suas diferenças, não perde a essência do que faz esse universo tão intrigante e chamativo. Mononoke: Karakasa se sustenta com as próprias pernas sem depender do apego à série original, sendo uma boa porta de entrada para novos fãs. Depois do anúncio desse filme, foi dito que os planos eram uma trilogia. Com o saldo positivo, as expectativas para Mononoke: As Cinzas da Ira, já disponível na Netflix, são altas.



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