Foto da capa: Raul Martins
Com o crescimento de competições, skatistas paraenses resgatam a base do skateboard desde a federação, até projetos sociais
Não se sabe com precisão a data em que o skateboard chegou ao Brasil. Apesar do início marginalizado da prática, as primeiras rodinhas de skate rasgaram as ruas brasileiras em meados dos anos 60. Hoje, já como uma prática consolidada, sabemos que é um dos esportes mais populares do território nacional. De acordo com a Confederação Brasileira de Skateboard (CBSk), estima-se que existam cerca de 8,5 milhões de adeptos do esporte no Brasil — número que segue em crescimento, especialmente após os Jogos Olímpicos de 2020, realizados em Tóquio, no Japão.

A popularização do skate depois de sua inclusão no programa olímpico trouxe ganhos inegáveis de visibilidade, mas também transformações culturais que preocupam o presidente da Federação Paraense de Skate, Augusto Formiga. Se nos anos 1990 andar de skate era, sobretudo, um estilo de vida marcado pela amizade e pelo espírito de coletividade, hoje muitos jovens ingressam na modalidade já sob a pressão do desempenho esportivo.
“Na minha época, a gente andava para se divertir, para confraternizar. Hoje vejo pais cobrando filhos de 7 ou 8 anos como se fosse obrigação virar profissional. Isso é perigoso”, alerta. Ele lembra que até mesmo Rayssa Leal, a “Fadinha”, símbolo dessa nova geração, precisou buscar acompanhamento psicológico devido ao peso das expectativas precoces. Para o dirigente, é preciso respeitar o tempo das crianças e preservar a essência do skate como expressão cultural e espaço de liberdade antes de transformá-lo em rotina de alto rendimento.
“Ganhei meu primeiro skate de um amigo que não queria mais. Eu tinha 10 ou 12 anos e nunca mais larguei.” O relato simples de Augusto Formiga contrasta com a dimensão de uma trajetória que atravessou bairros de Ananindeua, região metropolitana de Belém, chegou a campeonatos nacionais, passou por etapas do circuito mundial e levou o skatista a viver por três anos em Huntington Beach, na Califórnia, um dos epicentros globais do esporte. Hoje, aos 35 anos de dedicação ao skate, ele acumula não apenas o título de primeiro atleta profissional do Norte do Brasil, mas também o de empresário do setor e presidente da Federação Paraense de Skate, cargo que assumiu há pouco mais de um ano.
Nascido em Ananindeua, município vizinho da capital paraense, Formiga começou de forma despretensiosa, disputando campeonatos amadores até perceber que poderia transformar a diversão em profissão. Incentivado pelos pais a manter os estudos em paralelo ao esporte, não demorou a se destacar em competições regionais e nacionais, conquistando títulos e reconhecimento até se profissionalizar em 1997, em São Paulo.
“O skate me deu a oportunidade de conhecer pessoas, culturas e lugares que talvez eu não tivesse conhecido em outra profissão. Foi ele que abriu meus horizontes”, relembra. Essa trajetória, que parecia improvável para um jovem da periferia de Ananindeua, se consolidou com a participação em grandes campeonatos e a experiência de viver no berço mundial do skate, nos Estados Unidos, onde pôde sentir de perto o nível de profissionalismo da cena internacional.
De volta ao Pará, Formiga não se limitou a carregar apenas a bagagem esportiva. Tornou-se empresário, abriu uma loja especializada e fundou um centro de treinamento em Belém que hoje forma novos talentos, entre eles Lucas Figueiredo, campeão e vice-campeão brasileiro em diferentes categorias. Sua atuação também o levou à gestão da Federação Paraense de Skate, onde, junto de uma nova diretoria, vem conduzindo projetos estruturados. O principal exemplo é a entrega da pista olímpica do Parque da Cidade, em Belém, resultado de dois anos de articulações intensas.
“A federação precisa estar presente para garantir que obras como essa sigam os padrões corretos. Essa pista vai permitir a formação de atletas e a realização de eventos nacionais e internacionais”, afirma. Além dela, novas pistas estão em andamento em Barcarena e Benevides, reforçando um projeto que visa descentralizar a prática e ampliar o alcance do esporte no estado.

No entanto, se a infraestrutura e a prática do skate avançam, o mesmo não pode ser dito sobre o mercado brasileiro. A contradição salta aos olhos: de um lado, a modalidade vive um crescimento acelerado em todo o planeta, consolidando-se entre as mais praticadas; de outro, marcas históricas fecham as portas e lojas especializadas lutam para sobreviver. Formiga precisou encerrar sua loja física em Belém, mantendo apenas as vendas online.
“O dinheiro do skate está indo para plataformas online e multinacionais que não investem na cena local. Nós, skatistas, também temos responsabilidade nisso. Se compramos de marcas locais, o recurso volta em campeonatos e eventos. É uma questão de consciência coletiva”, argumenta. Ele lembra que o Pará tem marcas capazes de produzir shapes de maple canadense e rodas importadas com a mesma qualidade das estrangeiras. “Não é falta de material. É falta de valorização. Comprar local é fortalecer o ciclo do skate”, reforça.
Apesar dos desafios, Formiga se mostra otimista quanto ao futuro. Para ele, nos próximos cinco anos o skate deve se consolidar ainda mais no cenário esportivo global, ocupando definitivamente espaço entre as modalidades mais praticadas. “O skate já é o sétimo esporte mais praticado do mundo. Em cinco anos, deve se consolidar ainda mais. Espero que isso traga ganhos não apenas para os atletas, mas também para microempresários e lojistas que sustentam a cena”, projeta. Essa visão se ancora na convicção de que o skate, além de esporte, é sobretudo uma cultura. E, como cultura, deve ser mantido em sua essência.
Ao final, o presidente da federação retorna ao ponto que, para ele, é a chave da modalidade: a coletividade. “É um esporte individual, mas ao mesmo tempo coletivo. Quando alguém entra numa pista sem saber nada, sempre vai ter outro disposto a ajudar, emprestar um shape ou capacete. Essa solidariedade é a alma do skate. Foi isso que me apaixonou há 35 anos e é isso que sigo defendendo.” Entre pistas olímpicas, disputas internacionais e reuniões administrativas, Augusto Formiga se mantém fiel à ideia de que o skate não é apenas um esporte, mas um modo de vida que se constrói sobre rodas, amizades e resistência.
Seguindo esse mesmo princípio de valorização da essência do skate, no município natal de Formiga, em Ananindeua, os skatistas Raul Palheta (desde 1997) e Joelson Padilha (desde 1994) fundaram o Projeto Ananin Skate Social. A iniciativa reflete sobre o cenário atual do skate no Brasil e como o esporte tem transformado a vida de crianças e adolescentes por meio de valores que estão na raiz do skateboarding.
Para Raul, os três pilares que garantem a força do movimento, desde sua época de iniciante, são “a diversão, a amizade e o respeito”. Ele lembra que, no início, o skate viveu uma fase muito difícil, marginalizado e visto com maus olhos pela sociedade. “Ninguém queria ser amigo de skatista, a não ser os próprios skatistas”, afirma. Foi assim que o movimento se fortaleceu: mesmo com divergências, o respeito estava presente por um bem comum — o crescimento da comunidade, a construção de espaços adequados e, no fim das contas, a diversão.

O Projeto Ananin Skate Social prioriza o lazer e os benefícios terapêuticos da prática, especialmente quando se fala em socialização por meio da troca de experiências, mas também reconhece o aspecto competitivo da modalidade. “Hoje em dia é visto pelo esporte, mas a nossa essência do início, sempre que nós falávamos que ‘vamos dar uma volta de skate’, era um estilo de vida”, enfatiza Raul, ao explicar que o skate vai além da competição: é uma cultura que tem uma essência a ser preservada. “Na minha época e na do Joelson, a gente não falava: ‘Vamos treinar skate’. Falávamos: ‘Vamos dar uma volta, um rolê, andar de skate’.”
Já o instrutor Joelson Padilha destaca que a modalidade cumpre uma importante função social e coletiva: “O skate eleva o nível da amizade a um patamar incrível, que quebra paradigmas em situações sociais e culturais.” Ele relembra seu início no esporte, em meados da década de 1990, quando, morando na periferia de Belém, se juntou ao amigo Vinícius, recém-chegado de Curitiba, para formar um grupo que andava todos os dias no centro da cidade, em frente à Basílica Santuário de Nazaré — espaço conhecido até hoje como um dos principais picos de encontro de skatistas locais.
Para Joelson, a amizade foi fundamental para sua permanência na cultura, já que foi acolhido por uma comunidade que se via como família, capaz de respeitar e transcender diferenças sociais e culturais. Hoje, morador de Ananindeua, ele afirma que esse acolhimento ajudou até sua família a enxergar o skate com outros olhos, pois, em sua época, a prática ainda era marginalizada. “Hoje em dia a gente tem esse projeto social, que fez uma diferença muito grande para nossa família enxergar o skate de uma maneira diferente e melhor. Assim como também para a sociedade aqui em Ananindeua.”

O Projeto Ananin Skate Social beneficia majoritariamente crianças e adolescentes dos bairros Paar e Curuçambá, na periferia de Ananindeua. Raul, morador do Curuçambá, reconhece que os jovens estão cercados de influências negativas e, por isso, é importante utilizar o skate como ferramenta para ensinar valores que priorizem o respeito e o bom exemplo. “O skate é amizade para seguir, evoluir e não se deixar levar por influências negativas que podem fazer esquecer esse lado da juventude, de curtir ainda mais a adolescência.”
Ele também enfatiza que a prática do skate incentiva os estudos e a busca por conhecimento. “O skate é muito ligado à exploração de outros lugares. Você quer viajar, ir para os Estados Unidos, para a Europa, conhecer o skate em sua totalidade. Para isso, precisa ter conhecimento, precisa estudar. Quem eu vejo fazendo skate está estudando para chegar lá fora.”
Uma das crianças beneficiadas pelo projeto é Maria Vitória Santos, skatista de 10 anos conhecida como “Pimentinha”, já reconhecida pelo lendário Tony Hawk nas redes sociais e apontada como promessa do skate paraense. Moradora do Curuçambá, ela frequentava o Espaço Radical de Ananindeua desde os sete anos e realizou um sonho ao ganhar de presente do projeto seu primeiro skate. Hoje, inspirada pela medalhista olímpica Rayssa Leal, se destaca em campeonatos regionais na categoria street mirim.
A exemplo de Pimentinha, a essência do skateboard segue sendo ensinada à juventude de Ananindeua. Mas, com a popularização do esporte, também cresce a cobrança pela profissionalização e pelo alto desempenho — o que, segundo Raul, representa um risco. “Um dos maiores trabalhos é nessa questão da frustração. Muitos pais decidem pelos filhos, mas as crianças acabam esquecendo da essência, que é a diversão, o rolê com os amigos, sem aquela pressão dos campeonatos como se fosse uma obrigação. Isso é perigoso.”
Raul também observa que, apesar da popularização, o skate ainda é marginalizado, mas a tendência é de melhoria. “Hoje em dia dá para perceber que o skate está em um nível melhor. Está um pouquinho menos marginalizado, melhor visto.” Para ele, a forma como a sociedade enxerga o skatista está mudando, já que marcas do mainstream passaram a trabalhar com a imagem de atletas olímpicos — ainda que, muitas vezes, sem contribuir diretamente para a cultura do skateboard. “As grandes indústrias usam a imagem do skate para se promoverem. Graças a Deus, algumas marcas já se tocaram.”
A essência do skate pode ser encontrada em diversas áreas além das manobras, dos campeonatos e das grandes marcas esportivas. Muitos skatistas também atuam em segmentos como comunicação, produção audiovisual, arquitetura, fotografia, artes gráficas e música. Trata-se de uma cultura viva em diferentes aspectos da sociedade. O skateboard, por sua essência — diversão, amizade e respeito —, segue se reinventando pelo espírito de comunidade. Muito além de uma modalidade olímpica, é uma forma de se apropriar do ambiente urbano, socializar, viver histórias, buscar conhecimento e reinterpretar o espaço em que vivemos, desde aspectos culturais e sociais até éticos e de cidadania.
Texto: João Paulo Costa e Raul Martins
Edição e revisão: Gustavo Vilhena


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