Rosana Pinto, a assessora do Círio de Nazaré
Por André Furtado | Foto: Sandro Barbosa
Há mais de 200 anos Belém se transforma em outubro: mangueiras são podadas, arquibancadas ganham ruas, casas são ornadas, o comércio se movimenta e os olhares se voltam para o número 1300 da Avenida Nazaré, a casa da Rainha da Amazônia. É Círio outra vez! Em sua berlinda, decorada com flores, Nossa Senhora de Nazaré percorre a cidade e recebe homenagens de todos os públicos e religiões. A festa é grande, o paraense vive o natal dois meses antes do calendário oficial.
O Círio de Nazaré é uma das maiores manifestações religiosas do mundo, sendo reconhecido pela Unesco como Patrimônio Imaterial da Humanidade. A festa é composta por 14 procissões oficiais, a maior delas, o traslado para Ananindeua – município da região metropolitana de Belém -, a imagem peregrina percorre cerca de 50 quilômetros em 10 horas. Em 2024, mais de um milhão de pessoas acompanharam o trajeto. A comunicação é uma peça chave para levar ao público a grandiosidade da festa e a imprensa carrega grande parte desta missão. No Círio não é diferente e quem coordena esse trabalho é a jornalista Rosana Pinto.

Encontrei com Rosana no final de setembro, era uma segunda-feira e faltavam exatos 13 dias para o Círio. Nosso encontro foi à noite, na sede da Diretoria da Festa de Nazaré (DFN). Quando cheguei, ela estava em uma sala entregando o crachá de cobertura da festa para um veículo de imprensa. Ao me ver, com uma lista e caneta em mãos, me acenou, deu um sorriso e soltou: “já falo contigo”. Minutos depois, fomos a uma sala e nos sentamos um ao lado do outro, com os braços apoiados em uma mesa redonda. Ao fundo de Rosana um vidro, dá para ver a movimentação de pessoas que trabalham na festa, e em seu lado esquerdo, uma estante com livros, duas imagens de Nossa Senhora e uma pequena maquete da Basílica de Nazaré.
Rosana têm graduação em Relações Públicas, Publicidade e Jornalismo, cursos que compõem a área da Comunicação. Ela trabalha no Círio há 11 anos, mas sua história com Nossa Senhora vem desde a infância. “Quando eu era criança, eu saía no carro dos anjos. Minha mãe me vestia de anjinho e me colocava lá, eu ia no Círio das Crianças. Meu pai durante muitos anos foi doador de água durante as procissões, então todo domingo eu tava ali, no caminhão doando água. Eu tenho muito essa memória afetiva, de sempre tá ali, de acordar cedo e ver a passagem da Santa. Eu nunca fui de acompanhar a procissão, passei a acompanhar depois que comecei a trabalhar [na festa]”, ressalta.
Trabalhar com comunicação foi um desejo que Rosana cultivou desde a infância e o jornalismo era a área escolhida. “Eu sou uma pessoa apaixonada pela vida, apaixonada pela minha profissão. A mamãe sempre fala que quando eu era pequena, eu brincava de ser apresentadora de telejornal. Quando eu tinha 5, 6 anos. Então, quando me perguntavam: ‘o que você quer ser?’, eu já dizia que eu queria ser jornalista”, relembra. Sua trajetória no Círio iniciou em 2014, quando a comunicação da festa era coordenada pela Agência Eko. Em 2015, seu trabalho foi mais a fundo, e ela conheceu de perto termos da igreja e o funcionamento da Diretoria da Festa. Em 2020 recebeu outra proposta de trabalho, saiu da agência e chegou a conversar com a DFN a sua saída, contudo, a resposta lhe surpreendeu.
“A Diretoria me fez uma proposta. Perguntou se eu poderia continuar atendendo eles, mesmo estando nessa outra empresa. E aí eu conversei com essa empresa, eles concordaram de eu tentar conciliar os dois trabalhos, aí foi que eu assumi a conta sozinha. No início era só assessoria de imprensa, mas depois tu vai acumulando, acumulando, aí te joga uma coisa, te joga outra. Quando tu vê tu já tá tomando conta de tudo”, revela. Rosana presta serviço à DFN, que é a responsável pela organização do Círio. O órgão é composto por 35 casais, divididos em oito diretorias executivas que prestam trabalho voluntário. O casal coordenador do Círio 2025 é Antônio e Rosa Sousa.
Divulgar o trabalho das oito diretorias é um desafio que Rosana assume todos os anos. Ela é um elo que liga os eventos da DFN ao trabalho da imprensa que, por sua vez, levam o Círio aos olhos do mundo. Mas para que tudo aconteça bem, é necessário planejamento e organização. “Termina o Círio, a diretoria se dissolve e em dezembro, tomam posse de novo. E aí a gente começa a organizar a agenda do Círio seguinte. Eu tenho um toque com organização, então, as minhas conversas do WhatsApp são organizadas, os momentos que eu atendo também são organizados. A minha família já sabe que nesse período do Círio, eu não vou dar atenção para eles, porque eu priorizo a imprensa e o pessoal da diretoria”, explica.
Em 2021, Rosana criou um grupo no Whatsapp para ser o seu canal de comunicação direto com a imprensa. O meio, hoje, conta com mais de 500 membros e reúne profissionais de todo o Brasil. Mas quem prefere um contato mais reservado não fica de fora, o recado de sua conta diz: ‘Aqui, só chamar!’. E foi assim que o meu pedido para essa entrevista aconteceu. Chamei e ela atendeu. A emoção de trabalhar tão próximo à Mãe de Nazaré é um privilégio que muitos profissionais devotos carregam no mês 10. No último Círio, eu cobria a apresentação do manto e muitas foram as lágrimas que derramei quando, a pouquíssimos metros de mim, a imagem apareceu. Com Rosana não é diferente.
“Em muitos momentos é difícil me segurar, eu choro mesmo. Sempre no meio de uma pauta eu paro, nem que seja um minutinho para fazer um agradecimento, depois volto a trabalhar de novo. Mês passado eu fui para Capitão Poço [cidade do interior do Pará], nós dormimos lá e aí ela [imagem de Nossa Senhora] ficou na casa de um diretor de uma noite para outra. Ele colocou ela no altar lá na sala, não tinha mais nada, já tinham terminado o trabalho, aí eu sentei ali na frente dela e fiz as minhas orações”, detalha sorridente. Na semana do Círio, Rosana dificilmente volta para sua casa, ela mora na Augusto Montenegro, uma rodovia que fica a cerca de 15 km da Avenida Nazaré, onde está a Basílica e a sede da DFN. Com uma agenda extensa de programações que atravessam dia e noite, ela recorre a locais mais próximos para descansar. “Já aconteceu de eu tentar arriscar ir em casa para tomar um banho e cochilar no volante, porque eu vou dirigindo. Então de uns tempos para cá eu resolvi não me arriscar mais, fico na casa de amigos. Do sábado pro domingo às vezes eu acabo descansando no carro mesmo, porque é assim, é tu fechar o olho e abrir rapidinho”, revela.
Mesmo com tanta correria, durante nossa conversa a devoção à Virgem Maria sempre esteve presente, seja no bóton do fio do crachá, seja nas tatuagens pelo corpo, seja na fala: “Antes de eu começar a trabalhar aqui, eu nunca tinha chegado perto da imagem. O máximo que eu tinha chegado perto era no Círio quando ela passa, como milhares e milhares de pessoas. Nunca tinha visto o manto dela de perto, só em foto, mas não é a mesma coisa que tu ficar ali parado um tempão olhando os detalhes. Então, as oportunidades que eu tenho, para estar contemplando essas coisas, eu contemplo”, conta.

O Círio é um evento que marca a vida das pessoas, o que se vê pelas ruas de Belém em outubro são gestos de solidariedade que buscamos o ano todo. A festa é inexplicável, é muito mais que procissão, muito mais que evento religioso, muito mais que um marco da cultura. É uma energia avassaladora que só quem já vivenciou entende esse parágrafo. Minha última pergunta para a Rosana foi o que o Círio significava para ela, a resposta me comoveu: “na vida a gente precisa acreditar em alguma coisa, né? A gente precisa ter essa fé, seja em Nossa Senhora ou em qualquer outra religião. E eu acho que a fé que eu tenho em Nossa Senhora, no Círio, é o que me dá forças para enfrentar os problemas”, finaliza.
A fé é um dos sentimentos mais nobres e inexplicáveis da vida humana. Em outubro, ela toma muitas formas: faz pessoas caminharem dias, rasgando municípios; faz outras disputarem um espaço apertado na corda; e leva ainda pés descalços e joelhos amortecidos por papelão, percorrerem quilômetros da Catedral de Belém à Basílica de Nazaré. Tudo isso com dois propósitos: a esperança num pedido ou o agradecimento por uma graça. Lágrimas colocam para fora o que o coração está cheio, ruas são tomadas por uma energia contagiante, casas exalam o amor e Belém fervilha um sentimento que somente estando aqui para saber. Viver o Círio é uma benção e trabalhar nele, é um privilégio. Logo mais seremos um só, feliz Círio!


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