Por Julia Ladeira | Foto: Raoni Arraes
Nenhum mês é tão especial para os paraenses quanto outubro. A sensação que eu tenho, quando vira o mês, é que a atmosfera muda. Tudo é sobre o Círio de Nazaré, tudo é sobre ela: a Nazinha, mãezinha, Rainha da Amazônia. Eu, apesar de ter morado aqui quando era pequena e ter raízes nortistas por parte da minha mãe, cheguei um pouco cética em relação ao Círio. Como assim, milhares de pessoas percorrendo quilômetros descalças, de joelhos ou imprensadas em uma corda, por uma imagem?
Existe uma máxima que diz que o Círio não se explica, se sente. E não podia ser mais verdadeira. É a união de duas das coisas mais potentes dessa vida: a fé e o amor de mãe. A Nazinha, apelido carinhoso que os paraenses deram à Nossa Senhora de Nazaré, evoca um sentimento que apenas uma mãe poderia evocar: de colo, segurança e amparo; aquela promessa de que tudo vai ficar bem ao olhar nos olhos das nossas mães e ver que elas são capazes de tudo por nós. E acredite: elas são.
Apenas uma mãe para entender a dor e acalentar a outra. Quando Lirna Vidigal se viu cansada e perdida, após o nascimento prematuro dos seus filhos gêmeos, Leônidas e João, e a perda do primeiro apenas dez dias após o nascimento, foi à Nossa Senhora de Nazaré que ela rogou e a quem prometeu servir em nome da saúde do seu filho. Após a perda de Leônidas, foram meses com João no hospital, passando por momentos desafiadores.

“Fiz minha promessa a Nossa Senhora durante o período de internação do meu filho, no meio das minhas várias orações diárias. Encontrei luz e direção nas minhas preces. João nasceu com 770g, enfrentou várias infecções no hospital. Na última delas, uma infecção fúngica nos rins, eu já estava cansada. E em minhas orações, escutei Nossa Senhora falar que ele viria para casa. Nesse momento, fiz minha promessa”, conta Lirna.
E assim, no dia 8 de agosto de 2025, após quatro meses na UTI, às vésperas do Dia dos Pais e do aniversário da sua mãe, João teve alta e voltou para casa, pesando 2,220 kg. Hoje, está com quase 4 kg, e seus pais são eternamente gratos à Nazinha pela sua recuperação. Para honrar sua promessa, Lirna fez o percurso da procissão da Trasladação de joelhos, amparada por familiares e amigos. “Meu filho hoje é minha força”, afirma a promesseira.
Se você for à procissão do Círio, verá muitas mães em situações similares, rogando suas súplicas e agradecimentos, muitas vezes descalças ou de joelhos, com os olhos marejados, usando toda a sua força para cumprir a promessa. Ao vê-las, pensei na minha própria, que mora distante de mim, e foi para ela o meu primeiro pensamento quando a imagem peregrina passou por mim: “Nazinha, cuida da minha mãe, cuida da minha família”. E os olhos enchem d’água só de lembrar. É como se você pudesse simplesmente se jogar nesse sentimento de gratidão que te invade. Gratidão pela vida, pelos encontros, pelo acolhimento, por tudo que deu certo e por tudo que aprendemos com o que deu errado.
Este ano pude sentir de verdade essa energia. Fui à casa de vizinhos e amigos comer maniçoba, vi famílias amparando seus parentes em suas promessas, pessoas enfaixando os pés, jogando água, socorrendo quem nem conhecem. Não faltavam crianças nos ombros ou no colo, e principalmente, braços estendidos em direção à Mãe. Como posso ficar ilesa depois de presenciar tudo isso? Eu só consigo pensar no quanto gostaria que todos os dias fossem Círio, não necessariamente com procissão, mas com esse sentimento de solidariedade que se alastra, que invade. Belém me acolheu de uma forma como nenhum outro lugar fez até hoje. São as pessoas daqui que me levantam, que me abraçam.
A gente acredita em tanta coisa, até em imagem de Inteligência Artificial, então por que não acreditar no poder do amor de mãe? O Círio é como o amor: não tem uma única forma de ser. É sagrado e profano, é um abraço, é barulhento, colorido, iluminado, faz alarde quando passa, e é também silencioso, como os sussurros das preces e tudo aquilo que a gente guarda no coração. Eu, agora, guardo no meu o primeiro ano como jornalista no Círio, agradecendo sempre pelas boas pessoas que cruzam o meu caminho e cada vez mais certa de que nada nessa vida é por acaso.
Feliz Círio!



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