Da ancestralidade ao futuro: Exposição ARAMA faz convite à imaginação política

5–7 minutos

Sonhos. Para alguns eles podem se referir a experiências mentais durante o sono, mas para outros eles representam um anseio por algo. O futurismo ancestral, que utiliza técnicas e tecnologias para construir futuros, considera os sonhos uma das técnicas mais potentes para pensar o porvir. Geralmente a sociedade moderna sonha de forma individual, no entanto para imaginar um futuro com justiça climática é preciso sonhar de forma coletiva.

Pensando nessa coletividade, a ONG Outra Economia realiza, durante a Cúpula dos Povos, a exposição ARAMA: uma partícula do futuro. A instalação interativa, localizada no gramado da Reitoria da Universidade Federal do Pará (UFPA), convida o público a adentrar a uma paisagem viva de imaginação coletiva, ao propor um encontro entre arte, ancestralidade e transformação social.

O nome ARAMA tem origem tupi e significa partícula do futuro, o que reflete a convicção de que imaginar coletivamente é um ato político. A exposição reúne 110 vozes – indígenas, quilombolas, agricultores, ativistas, pessoas LGBTQIA+, empreendedores, professores, crianças e anciãos – de todas as regiões do Brasil, que participaram de oficinas de futurismo ancestral para sonhar de forma coletiva novos caminhos de justiça, com acesso a propriedade, terra e moradia.

A exposição nasceu a partir do questionamento de que as pessoas que precisam ser ouvidas durante a COP30 – e são atravessadas pela falta de acesso ou por privação de seus direitos básicos – não estão dentro das áreas de negociação. Com isso em mente, essas pessoas se reuniram para debater pautas de promoção à justiça. A partir disso, o processo de criação das obras seguiu com os participantes fazendo colagens.

“A gente usa técnicas de colagem por entender que a imagem vem antes da palavra, e, às vezes, a imagem desperta na gente o que falar e o que compartilhar. Então nós oferecemos o material e essas pessoas tiravam imagens para colocar e contar histórias. Se precisasse, eles desenhavam coisas para complementar essa narrativa. Então, cada peça tem uma história. Em dezembro, essas histórias irão virar um manifesto para ser entregue ao Governo Federal”, comenta a gerente de projetos da ONG Outra Economia, Raiana Lira.

Para a participante Camila Jordan, a pluralidade e a escuta foram peças chave durante as oficinas. “Participar da oficina de futurismo ancestral foi muito importante pela diversidade de pessoas que estavam presentes, a possibilidade de realmente você estar num espaço onde o mais importante é a troca, a escuta do outro”, relata. 

Ela destaca que a arte permitiu o contato com as emoções e o inconsciente, ferramentas que não são acessadas normalmente em contextos de ativismo. “Se queremos imaginar um futuro diferente, a gente precisa de novas ferramentas, precisa acessar outros lugares para conseguir, e construir esse futuro que a gente precisa.”

Mais que uma exposição, ARAMA é um manifesto visual. A instalação é um ato de artivismo – união entre arte e ativismo – e foi pensada para ser um convite à imaginação do público. A proposta busca o poder da escrevivência, estimulando o visitante a refletir sobre o tema a partir da própria história. “A ideia é que a gente exista aqui para convidar todo mundo a imaginar esse futuro. Por isso que a pergunta final, depois que todo mundo visita, é: como é o futuro justo para você?”, explica Raiana.

Camila Jordan reflete que a arte e o futurismo ancestral ajudam na luta por justiça porque tocam no cerne do problema da imaginação. “Como que a gente consegue lutar pela justiça social e pela justiça climática se o nosso inconsciente coletivo não tem essa prática de imaginar futuros diferentes? Precisamos de ferramentas como a arte para poder acessar essas novas imagens, esses novos significados, esses novos olhares.”

A experiência na exposição é concluída com um convite à participação. Foram colocadas fitinhas com sonhos de pessoas do mundo todo, que participaram de um encontro global de artivismo. “Os visitantes são convidados a colocar o seu próprio sonho nessas fitas, deixando-o ali para o vento também levar e nos dar esse espaço de boas energias. Nós precisamos de esperança e olhar para o sonho como essa tecnologia de construir, porque se você pensar, tudo já foi um sonho.”

Cúpula dos Povos como espaço simbólico

A Cúpula dos Povos traz discussões que estão na base e nem sempre conseguem entrar nos centros de negociações internacionais. Por ser um espaço democrático e plural, Raiana Lira se sente honrada de fazer parte. Para ela, o fato de estar dentro de uma universidade pública é simbólico. “A UFPA tem um contexto com a natureza e tem tudo a ver com a nossa proposta. Não procuramos nenhum outro lugar, nós queríamos fazer aqui. Acreditamos que a natureza tem que sonhar conosco e nós temos que sonhar com ela”.

Mais do que apenas um local de debate, a Cúpula é vista como um espaço de construção de força coletiva. “O que a gente constrói aqui na base, depois é o que a gente vai conseguir reivindicar com quem tem o poder,” afirma Raiana. Segundo ela, a potência pura está no encontro, onde pessoas de diversas regiões se somam e compartilham trabalhos e dores, criando uma rede de apoio e troca de soluções. “Eu acho que é uma grande revolução que a gente tem aqui na mão. Além do simbolismo do evento ocorrer em um país democrático e em uma universidade pública, que é um espaço de todos, onde a discussão plural floresce”, acrescenta.

Para a gerente de projetos da ONG Outra Economia, o maior impacto da COP, assim como o sonho por trás do ARAMA, é conseguir reverter o avanço dos impactos ambientais na Amazônia, um símbolo global de resistência. No entanto, o legado mais tangível que se espera é a reflorestação do imaginário. “A Amazônia é um lugar que as pessoas ainda olham com misticismo. Então você trazer a pauta climática do Brasil e do mundo para a Amazônia é um grande convite a conversão dessas ideias para reflorestar o imaginário”.

Para o cenário global, são esperadas mudanças na condução das futuras conferências e que Belém deixe o legado de processo climático participativo para se tornar plural.  “Espero que eles abram espaços de escuta, para incentivar que as discussões saiam da zona azul para outros locais, garantindo que as vozes da base sejam ouvidas”.

Para Belém, a COP30 representa uma oportunidade de mostrar que a Amazônia é também urbana e potente, com uma cultura rica e um forte ecossistema de bioeconomia. O encontro de diversos povos e a facilidade em participar de eventos como a Cúpula dos Povos – um contraste com COPs anteriores em países não democráticos – reforçam a potência de promover conexões. 

“Eu espero muito que o legado da COP seja de reimaginar. Que Belém se veja como povo da floresta, ainda que na cidade, porque a Amazônia urbana é importante para manter a Amazônia ambiental de pé. É muito importante que a gente tenha a colaboração das pessoas daqui para conseguir somar forças”, finaliza Raiana Lira.

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