Guerreiras da Ancestralidade Encerram Aldeia COP com Cerimônia

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O dia na Aldeia COP chegava ao fim. O evento da Conferência sobre Mudanças Climáticas, em Belém, esteve aberto ao público, com a presença de rezadeiras e realização de rituais de benzimentos, formação, discussão e práticas ancestrais que carregam a história, o misticismo e o encanto das populações tradicionais que permanecem e são repassados de geração para geração. A programação, iniciada no dia 10 de novembro, finalizou as atividades no dia 20, sob o brilho de Jaci, nomeação dada para a lua nova na língua Tupi-guarani.

Antes do encerramento oficial da Aldeia, os visitantes puderam participar de um momento especial no evento, o encerramento do espaço “Guardiãs do Clima”. Quem se aproximava podia sentir o cheiro do alecrim queimando para defumação do ambiente. As cadeiras organizadas em círculo, várias espécies de sementes no chão, que já haviam sido consagradas pelas Majés e o som suave do balançar das árvores convidava o público a se conectar com a grande mãe-terra. 

O canto dos ancestrais ecoado por Jacira, Dona Roseli e Iracema, três anciãs Majés, deu início à cerimônia que teve apoio da Articulação Nacional das Mulheres Indígenas Guerreiras da Ancestralidade (Anmiga). Cada canto carrega a ligação dos povos indígenas com a natureza, mostrando o cuidado e proteção que se traduzem no alerta em defesa do meio ambiente. Um chamado para guardar e proteger as nascentes dos rios, defender os territórios que são invadidos pela  ganância desenfreada e enfrentar táticas de exploração que embora se transformem, nunca deixaram de existir..

Joziléia Kaingang, diretora executiva da Anmiga, explica que a sabedoria que os povos indígenas detém é utilizada em defesa dos seus modos de vida e de sua cultura e a presença das mulheres indígenas como protetoras e guardiãs dos territórios é fundamental para a preservação da floresta. “Todas nós somos desse lugar e protegemos os nossos ambientes, protegemos os nossos biomas, protegemos as nossas florestas e não é com o saber da ciência acadêmica, é com o saber de gerações, é com o saber de mulheres e homens que carregam essa ciência ancestral”, destaca.

Durante a cerimônia,  sementes trazidas de diversas aldeias foram distribuídas ao público.  O gesto era um chamado ao cuidado com a natureza: ao serem espalhadas, essas sementes se tornaram símbolos de compromisso com a defesa dos territórios e da vida. Era também, como lembrou Kaingang, um convite para reflorestar as mentes. 

 “As mulheres indígenas têm chamado todas as pessoas a pensar em reflorestar as mentes para a cura da terra, para que a gente mude o nosso modo de ver o nosso território, o nosso planeta, porque não existe planeta B, mas para que a gente mude o nosso modo de viver”, alerta. Só quando a gente fizer uma mudança radical e social com respeito aqueles que são humanos, mas também aos que são não humanos, é que a gente vai conseguir realmente dar uma resposta às emergências climáticas”.

Os povos originários têm suas vidas marcadas por um longo histórico de apagamento da sua cultura, de sua língua, e de seus conhecimentos ancestrais. Atualmente, com o avanço da ciência, o silenciamento desses saberes está cada vez mais evidente, ainda que resistido. O reitor da maior universidade produtora de conhecimento científico do Norte, a Universidade Federal do Pará (UFPA), Gilmar Pereira, reforça a importância do respeito aos conhecimentos ancestrais.“O meu discurso tem sido que a gente tem que respeitar todos os saberes e que não temos um saber maior que o outro. Temos as mesmas capacidades e os saberes ancestrais são fundamentais para que a gente mantenha o clima de modo que as pessoas possam sobreviver e viver no nosso planeta”, afirma. 

A participação dos povos indígenas e das diversas manifestações populares marcou a Conferência do Clima. Não como celebração ou protagonismo, mas como ato de resistência, como sempre tem sido. Depois de anos, esta foi a primeira COP realizada em um país novamente democrático, e essa diferença se fez sentir na força das vozes que ocuparam as ruas, os espaços oficiais e os territórios simbólicos da política climática. As presenças indígenas ecoaram o que o Brasil e o mundo insistem em adiar: estamos vivendo uma emergência climática e as mudanças precisam ser concretas, urgentes e fundadas no respeito aos territórios.

A Majé Iracema traduz esse chamado em palavras diretas e ancestrais:

“Quantos anos estão falando sobre climática? Essas gente me perguntam: É fácil destruir o mato? Ou estão correndo atrás? Que que nós vamos fazer? Né? Única mensagem que posso dizer: volta para a floresta. Volta a plantar aquela árvore que foi tirada, que nós tiremos a cobertura da terra. Nós tiremos a cobertura de toda a terra e hoje o clima tá desse jeito. Por isso temos que voltar a plantar as árvores, né?

E cuidar das nascente e parar de botar água nas água e parar de mexer o que tá na terra, os minérios. O ouro, então, parar com isso. Que nossos governantes sejam vigilantes, que o povo brasileiro seja vigilante, que proteja os minérios que existem na terra. Nós já conhecia que tinha minérios na terra, mas nós nunca peguemos para fazer esse dinheiro, não.A gente pegava para fazer cura, e hoje os pessoal estão tirando muito, por isso está desse jeito. E um dia a nossa mãe-terra vai cansar e tá cansada, tá ficando doente, daí ela vai tombar e daí vai pegar fogo e nós somos todos mortos de fogo com dinheiro, com prédio dentro, não adianta ter prédio, ela derruba se quiser, ela tem essa potência.”.

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